Abstract
Os autores apresentam 8 casos de fissura palatina submucosa. Analisam seu quadro clínico, diagnóstico e alterações histológicas. Propõem um novo tipo de tratamento cirúrgico par esta deformidade, baseado nas alterações anátomo-fisiopatológicas da fissura palatina submucosa.
A fissura palatina submucosa é uma deformidade congênita em que há uma união muscular imperfeita na linha média do palato mole. O palato é curto produzindo um fechamento velofaringeano incompetente e, como consequência, uma voz anasalada.
A fissura palatina submucosa foi descrita pela primeira vez por Roux (15) em 1825. Desde então, alguns artigos notáveis foram descritos. Os mais antigos descrevem a patologia sem abordar o tratamento cirúrgico (10, 6, 19). Somente em 1954 que Calnan (1), em trabalho clássico, estabeleceu as bases do tratamento da fissura palatina submucosa e a avaliação de seus resultados.
A causa real da fissura palatina submucosa é ainda pouco conhecida. A fissura pode ser embriologicamente explicada pelas teorias de Veau (19) e Stark (17): Há uma falha no desenvolvimento do mesoderma (camada muscular) cujo crescimento não atinge, com toda a sua plenitude, a linha média. Por sua vez, o ectoderma tem desenvolvimento normal (as mucosas oral e nasal se unem na linha média (8). A fissura palatina submucosa é considerada a forma mais branda de fissura palatina, havendo como nesta, um componente familiar comprovado (8, 1).
Patologia
A fissura palatina submucosa apresenta geralmente uma deficiência óssea na borda posterior do palato duro. Esta falha óssea pode ser uma simples chanfradura na linha mediana ou então constituir-se em um defeito largo em forma de V sobre o qual, há mucosas nasal e oral muito finas. Com o crescimento, estas mucosas podem se romper ocasionando a perfuração, como já foi constatado por Trelat (18) e Calnan (1) e como aconteceu em um de nossos casos (Fig. 1). O vômer geralmente está hipodesenvolvido e inserido no palato duro bem anteriormente ao defeito ósseo (1).
O palato mole está acentuadamente encurtado; move-se bem, algumas vezes de modo assimétrico, mas não consegue obliterar o istmo nasofaríngeo. No paciente com fissura palatina submucosa o escape nasal se dá por área maior que 10 mm2, já comprovado por estudos radiológicos (1, 2).
O exame microscópico evidencia a falta de união muscular na zona da fissura. Em casos mais brandos evidencia-se, nesta região, fibras musculares hipodesenvolvidas com perda da sua orientação normal, em meio a uma matriz de tecido fibroso. Podem ainda ser evidenciadas glândulas mucosas entre as fibras musculares. Em alguns casos encontra-se também um infiltrado de células plasmáticas e linfócitos na submucosa do lado nasal (1) (Figs. 2A e 2B)
Figura 1 – Paciente adulto apresentando fissura palatina submucosa com perfuração adquirida.
Figura 2A – Corte histológico epitélio escamoso na superfície superior (oral) e cilíndrico ciliado pseudo-estratificado na inferior (nasal). Entre as superfícies observa-se feixes musculares e escassos com distribuição anárquica.
Figura 2B – Corte histológico apresentado fibras musculares hipodesenvolvidas com orientação anormal. Matriz fibrosa e glandular muco-secretoras.
Figura 3A – Diagrama da anatomia da fissura palatina submucosa: (1) Tensor do véu do paladar (Tensor velipalatini). (2) Elevador do véu do paladar (Elevador velipalatini). (3) Palatoglosso (palatoglossus). (4) Palatofaríngeo (Palatopharygeus).
Figura 3B – Técnica operatória empregada após a resseção da área submucosa: palatofaringoplastia com aproximação dos músculos palatofaríngeos, que constituem os pilares amigdalianos posteriores.
Figura 4A – Fissura palatina submucosa. Deficiência óssea palato duro e úvula bífida.
Figura 4B – Pós-operatória. Palato mole relaxado.
Figura 4C – Pós-operatório. Palato duro contraído. Observa-se o esfíncter pequeno, formado pela aproximação dos pilares amigdalianos superiores.
Quadro Clínico
O escape nasal do ar durante a fala (rinolalia aperta) pode se fazer notar desde o início da fala ou após uma adenoidectomia. A hipernasalidade é melhor notada durante a conversão fluente, uma vez que as palavras pronunciadas isoladamente são menos anasaladas que aquelas pronunciadas durante a conversação (1).
Ao exame intra-oral nota-se um palato curto com istmo orafaríngeo largo. A úvula é bífida na maioria dos casos. Na linha mediana do palato mole percebe-se um sulco e há ausência da rafe mediana (Figs. 3A, 5 e 6). Com um foco de luz dentro da cavidade nasal percebe-se dentro da cavidade oral, uma zona mediana de transiluminação, rosada e brilhante, entendendo-se para dentro do defeito ósseo do palato duro.
A palpação pode confirmar a falta de união muscular e a chanfradura óssea na borda posterior do palato duro. A musculatura palatina move-se bem, mas não consegue separar o nasofaringe da cavidade oral. O paciente não tem capacidade da gargarejar e o retorno desta habilidade pode ser uma boa indicação do sucesso da operação (1).
A cinerradiografia geralmente mostra um padrão anormal de deglutição mesmo nos casos que aparentam ser clinicamente normais (1, 2). A regurgitação nasal de líquidos e sólidos extremamente rara.
Tratamento Cirúrgico
O tratamente cirúrgico adotado consiste na excisão da área afetada submucosa acompanhada de uma palatofaringoplastia, isto é, a palatoplastia de Von Langenbeck complementada com a aproximação medial dos pilares amigdalianos posteriores. Técnica operatória: Infiltra-se lidocaína a 0,5% com adrenalina em solução a 1.200.000 nas margens livres do palato duro e na área mediana do palato mole. A área deformidade submucosa do palato mole é ressecada sob a forma elíptica preservando-se maior quantidade de tecido mucoso na face nasal para facilitar a reconstrução. A seguir faz-se a incisão nas margen laterais do palato duro, seguindo-se até o espaço retro-molar. O palato duro é descolado liberando-se os dois retalhos mucoperiósticos. A dissecção do palato mole individualiza suas três camadas. A incisão mediana do palato mole é prolongada através da base das hemi-úvulas e ao longo dos pilares amigdalianos posteriores até atingir-se o nível d loja amigdaliana. A sutura é iniciada pela mucosa nasal desde a borda posterior do palato duro, através de todo o palato mole e continuando-se pela união dos pilares amigdalianos posteriores. Em seguida, sutura-se a camada muscular e a mucosa oral. As áreas cruentas laterais são tamponadas (Figs. 3A, 3B, 4A, 4B e 4C).
Figura 5 – Criança com fissura palatina submucosa, úvula bífida, defeito ósseo e rinolalia.
Figura 6 –Adulto com fissura palatina submucosa, apresentando úvula bífida, defeito ósseo e voz fissurado.
Discussão
Por este método foram operados 11 casos. Em um caso a avaliação foniátrica pós-operatória não evidenciou recuperação adequada da voz. Em outro caso não foi conseguida a avaliação foniátrica pós-operatória tardia. Nos outros 9 casos o resultado foniátrico foi considerado bom.
De acordo com alguns autores (5), acreditamos existir várias formas de fissura palatina submucosa, não havendo descrição clássica para a deformidade. Achamos que a fissura palatina submucosa seja nada mais do que uma forma peculiar de fissura palatina.
Nossos achados histológicos coincidem com os de Calnan (1). Na verdade, há uma descontinuidade muscular na linha média do palato mole (Fig. 2A). Esta zona é caracterizada por uma hipoplasia muscular com distribuição anárquica de suas fibras e é responsável ela impotência funcional do palato mole. Por isso achamos fundamental a ressecção desta zona funcionalmente impotente.
O portador de fissura palatina submucosa deve ser considerado como um paciente com fissura palatina e insuficiência veofaringeana. Existem dois mecanismos de fechamento do anel velofaringeano: o mecanismo valvular e o mecanismo esfincterioano. Nos indivíduos normais o mecanismo valvular é o mais importante devido a ação dos músculos elevadores do palato. No paciente portador de fissura palatina existe um mecanismo compensatório predominante, denominado mecanismo esfincteriano. Os elementos anatômicos responsáveis por este importante mecanismo são os músculos palatofaríngenos.
Baseados neste princípios adotamos, no mesmo ato cirúrgico, uma faringoplastia de complemento do tipo aproximação dos pilares posteriores, isto é, aproximação dos músculos palatofaríngeos, criando com isso, um esfíncter dinâmico (10). Evitamos retalhos da parede posterior do faringe devido as insuficiências dos métodos, tais como tubulização, fibrose, etc. (3, 4, 7, 11, 12, 13, 14 e 16). Além disso, os retalhos seccionam o músculo constrictor do faringe, um dos componentes do mecanismo compensatório esfincteriano juntamente com os músculos palatofaríngeos.
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