Abstract
A NF1 é uma doença genética relativamente freqüente, descrita há cerca de 230 anos, que leva seus portadores a uma limitação na qualidade de vida e no convívio social. Tivemos como idéia inicial avaliar os pacientes operados na 38ª Enfermaria de Santa Casa e Clínica Ivo Pitanguy no período de 2006 a 2010, principalmente nos quesitos qualidade de vida relacionada à doença e encaixa-los no questionário DQLI da Universidade do País de Gales. Os prontuários foram analisados em busca de dados relacionados à conduta cirúrgica empregada nos pacientes e recidivas da doença apurando tanto o valor médio das respostas como também o valor por área de impacto. Avaliamos também as cirurgias de acordo com a indicação e a presença de recidiva tumoral. Concluímos que o impacto da NF1 na qualidade de vida, relacionada à doença, nos pacientes analisados é um fator importante, inclusive na indicação da cirurgia. A conduta adotada pelo serviço permanece como consenso nos trabalhos analisados. A recidiva tumoral é a principal causa de reoperação nestes pacientes, com a ressalva de que é difícil avaliar uma recidiva verdadeira, seguida por deformidades secundárias.
Monografia apresentada em 2010 por Fabricio Mattedi Regiani, sob orientação do Dr. Allan Bernacchi, como requisito parcial para obtenção da nota final no curso de pós-graduação em cirurgia plástica do Instituto Ivo Pitanguy – 38a Enfermaria da Santa Casa de Misericórida do Rio de Janeiro.
Avaliação da qualidade de vida relacionada à doença e a conduta cirúrgica em pacientes portadores de Neurofibromatose tipo 1, operados no Instituto Ivo Pitanguy
Introdução
O diagnóstico de neurofibromatose tipo 1 (NF1) em um indivíduo tem um impacto significante na qualidade de vida.1, 3, 11, 12, 18, 19, 25, 26 Desde seus relatos iniciais podemos observar o caráter mutilante e isolacionista da doença. Os termos “homem elefante” e “homem verruga” exemplificam as descrições destas deformidades ao longo da história.7, 20, 21
O caso mais conhecido e que tornou a NF1 familiar ao público leigo foi descrito na publicação “O homem elefante e outras reminiscências” por Sir Frederick Treves. O paciente em questão, Joseph Carey Merrick, um jovem inglês, falecido aos 29 anos, era apresentado como atração circense. Posteriormente verificou-se que este paciente era portador da Síndrome de Proteus e não de NF1.7
Apesar da maior informação do público leigo com o passar do tempo, pacientes com NF1 ainda sofrem discriminação em virtude da doença, seja pela limitação funcional ou pela característica deformante.19
A NF1, também conhecida como doença de von Recklinghausen, é uma das doenças genéticas mais comuns, acometendo cerca de 1:3000 crianças nascidas vivas. Isto significa que a NF1 é mais freqüente que o diabetes tipo 1 e diversas outras doenças (fibrose cística, distrofia muscular de Duchenne, Doença de Huntington e Doença de Tay-Sachs).7 Justamente esta alta incidência e sua manifestação precoce, aliados à alteração da auto-imagem que torna o estudo de seu impacto na qualidade de vida dos pacientes algo de extrema relevância.21
O objetivo deste trabalho é avaliar a qualidade de vida relacionada à manifestação cutânea em pacientes portadores de NF1 submetidos a tratamento cirúrgico na 38ª Enfermaria da Santa Casa do Rio de Janeiro e Clínica Ivo Pitanguy nos últimos 5 anos, assim como aspectos do tratamento cirúrgico e da recidiva da doença.
Revisão da literatura
Histórico
Os primeiros relatos datam do século XIII, acometendo um escriba chamado Heinricus na Áustria.7 Depois disso inúmeros relatos históricos estão registrados na literatura médica, porém atribui-se ao cientista alemão Frederich Daniel von Recklinghausen a identificação da NF1 como uma entidade nosológica.21 Atualmente a neurofibromatose é classificada em NF1, NF2, Schwannomatose, e síndrome de meningiomas múltiplos. A NF1 é caracterizada pelo acometimento de nervos periféricos e a NF2 pelo acometimento central, característicamente do VIII par craniano.2, 9 Schwannomatose é caracterizada pela presença de múltiplos schwannomas, sem acometimento do VIII nervo craniano, característico da NF2.7, 9 A síndrome de meningiomas múltiplos é representada por dois ou mais meningiomas, sem nenhuma outra característica clínica de NF2. Recentemente, a síndrome de Legius foi descrita, baseada na observação que vários pacientes com NF1 exibiam apenas manchas café-com-leite e sardas axilares e inguinais. O gene da síndrome de Legius é o Spred1, e participa no mesmo mecanismo celular do gene da NF1.6, 22
A NF1 foi primeiro relatada da maneira como é conhecida hoje em 1793 por Tilesius von Tilenau, foi este autor quem primeiro descreveu tumores fibrosos múltiplos da pele, em latim e alemão. Em 1803 Odier introduziu o termo neuroma para descrever o envolvimento nervoso do tumor. Schwann em 1830 descreveu o predomínio das células da bainha do nervo nos neurofibromas e Virchow, em 1847, relatou a natureza familiar da doença.7, 21
Só em 1882 um professor de patologia em Estrasburgo, Frederich Daniel von Recklinghausen, relatou em sua monografia dois novos casos. Por ocasião já havia na literatura cerca de 168 citações, porém este trabalho definiu o conjunto de achados como uma única entidade nosológica.
Lisch em 1973 encontrou nódulos na íris destes pacientes e sugeriu o exame oftalmológico detalhado nestes pacientes.7, 21
Surgiram então relatos classificações e achados dos tumores nos mais diferentes sistemas do organismo. A partir de 1987 surgiram as primeiras descrições de mutações, mapeamento genético e biologia molecular destes pacientes.7, 24, Destaca-se a contribuição dos brasileiros Alcino Silva e Rui Costa que em 2001 descobriram a causa biológica para a desordem de aprendizado na NF1 e desenvolveram o tratamento em ratos.7
Epidemologia
A NF1 é transmitida por herança autossômica dominante com penetrância completa, porém expressão extremamente variável. Cerca de 50% dos casos são novas mutações. O grande tamanho do gene localizado no braço longo do cromossomo 17, 17q11.2, justifica este alto índice de novas mutações.2, 13,
A ampla variedade de expressão da doença faz com que alguns casos não sejam diagnosticados e sua real prevalência e incidência subestimados. Por ser uma doença com sinais e sintomas que aparecem com a idade, muitos casos têm um atraso no seu diagnóstico.5
Não há diferença quanto ao sexo ou grupos étnicos. A prevalência no mundo varia de 1:2190 a 1:7800 nas populações estudadas.2, 7, 13
Mecanismos genéticos e moleculares
O gene da neurofibromatose tipo 1 (NF1) foi clonado no cromossomo 17q11.2 e compreende 60 exons contendo 350 kilobases de DNA. O produto do gene NF1 é a neurofibromina e atua como um supressor tumoral, é expressa difusamente e em grandes quantidades no sistema nervoso.13
A neurofibromina reduz a proliferação celular acelerando a inativação de um proto-oncogene celular, p21 ras, que é importante na promoção do crescimento tumoral.7 A neurofibromina defeituosa não pode mais inativar a p21 ras, resultando em níveis aumentados de ras e em uma alteração nos sinais que controlam o crescimento celular e a multiplicação, permitindo assim o crescimento descontrolado das células.13
É extremamente raro os pais não apresentarem NF1 e terem mais de um filho afetado. Isso se deve ao mosaicismo germinativo, quando pais não afetados carregam a mutação em algumas de suas células germinativas, mas não nas somáticas.5, 7
Não há correlação de idade dos pais com a incidência de NF1 nos filhos.5, 13
Existem várias mutações descritas para a NF1, porém não há uma correlação genótipo-fenótipo, com exceção de uma grande deleção do gene NF1, que pode acarretar algumas características mais graves como retardo mental, dificuldade de aprendizado, número excessivo de neurofibromas cutâneos e/ou plexiformes. 2, 5, 7, 13, 24
Manifestações clínicas
Os aspectos principais da doença são alterações da pele, sistema nervoso e ossos, as complicações resultantes são imprevisíveis. Muitos pacientes não terão outros problemas além de neurofibromas cutâneos e pequeno déficit cognitivo.2, 3, 10, 17
Os critérios diagnósticos para a NF1 foram estabelecidos na conferência do National Institutes of Health, em Bethesda, Estados Unidos, em 1987. O diagnóstico é feito pela presença de dois ou mais critérios listados na tabela 1.
O paciente deve apresentar dois ou mais dos seguintes sinais: |
---|
Seis ou mais manchas café-com-leite (> 0,5cm em crianças ou > 1,5cm em adultos) |
Dois ou mais neurofibromas cutâneos ou subcutâneos ou um neurofibroma plexiforme |
Sardas axilares ou inguinais |
Glioma óptico |
Dois ou mais nódulos de Lisch (hamartomas de íris vistos no exame com lâmpada de fenda) |
Displasia óssea |
Parente de primeiro grau com diagnóstico de NF1. |
Devido ao aparecimento progressivo dos sinais da doença nem sempre o diagnóstico pode ser feito ao nascimento ou em idades precoces (tabela 2).2 Uma indicação para pesquisa do gene NF1 é a criança que apresenta sinais para NF1 porém não cumpre o critério diagnóstico.7
Idade (anos) | Freqüência | |
---|---|---|
Manchas café-com-leite | Nascimento – 12 | >99% |
Sardas em pregas cutâneas | > 3 | 85% |
Nódulos de Lisch | > 3 | > 95% |
Neurofibromas cutâneos | > 7 | > 99% |
Neurofibromas plexiformes | ||
Visíveis | Nascimento | 26% |
Profundos | Nascimento > | 44% abdome/pelve 20% torax |
Tumor maligno de bainha de nervo periférico | 5 – 75 | 2 – 5% |
Problemas de aprendizado | Nascimento | 30 – 60% |
Déficit de atenção / hiperatividade | Nascimento | 38% |
A característica mais comum da NF1 é a presença de anormalidades de pigmentação da pele, geralmente manchas café-com-leite, presentes em até 99% dos pacientes afetados.2, 7
As manchas café-com-leite são geralmente a primeira manifestação que leva o pediatra a suspeitar da doença, porém elas podem levar meses ou anos para se tornarem mais evidentes.7, 9
A distribuição destas manchas é variável por todo o corpo, com tamanho variando de 1 a 3cm, podendo chegar a mais de 15cm. Geralmente apresentam bordas regulares, bem definidas e pigmentação uniforme.2, 21
Histologicamente a disposição de melanina é anormal na camada basal, com a presença de macromelanossomos. Podem escurecer quando expostas ao sol.2
Outra manifestação extremamente comum da NF1, chegando também a acometer cerca de 99% da população afetada é o aparecimento de neurofibromas cutâneos.2 O termo neurofibroma foi cunhado por von Recklinghausen estabelecendo a origem destes tumores benignos na bainha dos nervos periféricos.13, 21
Os neurofibromas aparecem geralmente na adolescência e podem aumentar durante a gestação7, porém não são afetados por contraceptivos orais.3 São em sua maior parte assintomáticos, causando apenas prurido e sensação de ardência. Estes tumores têm um risco de transformação maligna de 8 a 13%.2, 3, 7, 13, 21
Materiais e métodos
Seleção de pacientes
Foi realizado levantamento dos dados cirúrgicos dos pacientes submetidos à retirada de neurofibromas ou correção de seqüelas de NF1 no ano de 2004 ao ano de 2010 (6 anos) na 38ª Enfermaria da Santa Casa do Rio de Janeiro, Serviço de Cirurgia Plástica do Prof. Ivo Pitanguy e na Clínica Ivo Pitanguy. Os pacientes foram contatados via telefone ou email para preenchimento do questionário do Índice de Qualidade de Vida em Dermatologia (DLQI – sigla em inglês).
Análise de qualidade de vida e conduta cirúrgica
O impacto da NF1 na qualidade de vida dos pacientes foi analisado com base no questionário DLQI, da Universidade do País de Gales, no Reino Unido. Este questionário foi o primeiro publicado, específico para a análise de doenças relacionadas à pele e consiste em 10 perguntas de fácil compreensão com um valor atribuído a cada resposta variando entre 0 e 3, com a pontuação máxima de 30. As perguntas são divididas em 6 áreas de impacto: sintomas e sentimentos, atividades diárias, lazer, trabalho e escola, relações interpessoais e tratamento.16
O DLQI já foi utilizado em vários estudos indexados na Medline, Pubmed e Science Citation Índex, em mais de 20 países e cerca de 36 doenças relacionadas a pele e possui versões em 21 idiomas, inclusive o português. O questionário apresenta uma alta sensibilidade para doenças relacionadas e pele. Quando comparado com a população normal o valor médio das respostas varia entre 0 e 0,5.16
A análise da somatória das respostas é feita com base na tabela 3 e 4.
Pontuação | Impacto na vida do paciente |
---|---|
0 – 1 | Nenhum impacto |
2 – 5 | Pequeno impacto |
6 – 10 | Impacto moderado |
11 – 20 | Impacto significativo |
21 – 30 | Impacto extremamente importante |
Área | Valor Máximo |
---|---|
Sintomas e sentimentos | 6 |
Atividades diárias | 6 |
Lazer | 6 |
Trabalho e escola | 3 |
Relações interpessoais | 6 |
Tratamento | 3 |
A avaliação da conduta cirúrgica e da recidiva da doença foi realizada com base no prontuário dos pacientes, contato telefônico ou email. Foi analisado o número de cirurgias realizadas, recidiva da doença, a região acometida e a realização de procedimentos associados. Não foi possível a análise do tempo livre de doença ou do tempo transcorrido entre a cirurgia e o reaparecimento de lesões.
Resultados
Características dos pacientes
Ao todo foram contatados 9 pacientes de 14 operados, com um total de 38 cirurgias realizadas ao longo da vida e uma média de 4,2 cirurgias por paciente. Quando analisamos todos os pacientes operados chegamos a um total de 48 cirurgias ao longo da vida e uma média de 3,4 cirurgias por paciente. Dos 14 pacientes 5 foram operados na Clínica Ivo Pitanguy e 9 na 38ª Enfermaria da Santa Casa. A média de idade é 28 anos, variando de 40 a 14 anos. A relação entre os sexos foi de 8 pacientes do sexo feminino e 6 do sexo masculino.
Sexo | Feminino | 8 |
Masculino | 6 | |
Serviço | 38ª Enfermaria | 5 |
CIP | 9 | |
Média de Idade | 28 anos | |
Total de cirurgias | 48 | |
Média de cirurgias | 3,4 |
A área mais acometida nos pacientes operados foi a face. Na face a região mais acometida foi a periorbitária, porém temos que salientar que possuímos um serviço de referência em cirurgia dessa região.
Região | Número de pacientes |
---|---|
Face | 12 |
ÞPeriórbitaria | 10 |
Mama | 1 |
Dorso | 1 |
Membros inferiores | 1 |
Total | 15 |
Análise na qualidade de vida relacionada à doença de pele
A divisão por sexo dos pacientes que responderam o questionário foi de 6 pacientes do sexo feminino e 3 masculino. A média de idade foi de 30 anos. Dos 9 pacientes analisados 5 foram operados na Clínica Ivo Pitanguy e 4 na Santa Casa. O valor médio das respostas foi 5,33. Quando dividimos os pacientes com base no sexo encontramos os seguintes valores médios: feminino: 5,16 e masculino 5. O valor médio das respostas dos pacientes operados na Clínica Ivo Pitanguy foi menor em relação aos operados na Santa Casa, 4,8 versus 6.
Sexo | Feminino | 6 |
Masculino | 3 | |
Serviço | 38ª Enfermaria | 4 |
CIP | 5 | |
Média de idade | 30 anos | |
Total de cirurgias | 38 | |
Média de cirurgias | 4,2 |
De acordo com a tabela de que relaciona a pontuação ao impacto da doença na vida do paciente, em media foi observado impacto pequeno a moderado, com uma leve tendência a ser maior no sexo feminino. A maior pontuação obtida nos questionários foi 10, referente a uma paciente do sexo feminino, de 31 anos com NF1 na face, já operada 5 vezes no serviço.
Sexo | Valor Médio |
---|---|
Feminino | 5,16 |
Masculino | 5 |
Média total | 5,33 |
Na análise por área de impacto, o grupo mais afetado foi sintomas e sentimentos, seguido por lazer e atividades diárias. Os outros grupos não apresentaram diferenças significativas nas respostas, tabela 7.
Área de Impacto | Pontuação |
---|---|
Sintomas | 2,1 |
Atividades diárias | 1,1 |
Lazer | 1,4 |
Trabalho e escola | 0,4 |
Relações interpessoais | 0,1 |
Tratamento | 0,3 |
Dentre os pacientes contatados a média de cirurgias foi de 4,2 e a principal região acometida foi a face, mais especificamente a região periorbitária, lembrando sempre que somos um serviço de referência nesse segmento. A principal causa de reoperação foi recidiva tumoral, seguida de ressecção de tumor residual e correção de deformidades.
Conduta cirúrgica e recidiva da doença
O plano cirúrgico em todos os pacientes objetivou a região mais afetada, levando em consideração a massa tumoral, ou regiões com alteração funcional importante (exemplo: órbita). Em nenhum paciente foi proposto excisão cirúrgica ampla de neurofibromas, não foi identificada uma conduta cirúrgica padrão, dada a variedade de acometimento da doença e a diversidade de pacientes atendidos nos serviços em questão.
Foi realizada análise de história pregressa dos 14 pacientes através dos prontuários e verificou-se um total de 48 cirurgias realizadas, sendo que 8 destas foram realizadas em outros serviços. A média de cirurgias por paciente é 3,4, com um máximo de 10 cirurgias e mínimo de 2.
A cirurgia mais realizada objetivou ressecção de recidiva tumoral, com um total de 22 cirurgias realizadas nos pacientes analisados, média de 1,57. Em segundo lugar ficaram as ressecções primárias de neurofibromas, 21 procedimentos, sendo a região periorbitária a mais acometida entre os pacientes analisados, com 9 procedimentos para ressecção tumoral.
Foram realizados 9 procedimentos de suporte cantal, 3 cantoplastias e 6 cantopexias. Apenas um paciente acometido na região periorbitária (supercílio) não recebeu nenhum tipo de tratamento da região cantal. O maior procedimento realizado na região orbitária foi uma enucleação em um paciente submetido a cinco cirurgias no serviço.
Não foram realizadas excisões com uso de lazer de CO2 ou outros tratamentos clínicos.
Discussão
O diagnóstico de NF1 é um fator de extrema importância na vida dos pacientes. Em ambos os casos, as complicações médicas ou estéticas possuem algum impacto na qualidade de vida dos pacientes, alterando sua saúde ou sua aparência. 1, 8, 11, 12, 18, 19, 25, 26
Como relatado o impacto da NF1 na vida dos pacientes estudados foi pequeno, tendendo a moderado, sendo discretamente maior em indivíduos do sexo feminino.
Todas as áreas avaliadas sofreram impacto, sendo maior relacionado aos sintomas da doença, lazer e atividades diárias, em ordem decrescente. Podemos observar que a importância do caráter recidivante da doença, uma vez que a pontuação média obtida no quesito sintomas foi aproximadamente o dobro do quesito lazer, que ficou em segundo lugar.
Apesar do pequeno número de pacientes e do desenho prospectivo do estudo, os dados encontrados são consistentes com a literatura internacional. Page em um estudo com 176 casos demonstrou um maior impacto em áreas relacionadas ao lado emocional dos pacientes afetados, neste estudo a autora também refere o sexo feminino como um fator independente para um maior estresse emocional provocado pela doença.18 Page confirmou dados publicados anteriormente por Wolkenstein, na França, correlacionando a severidade da doença à diminuição da qualidade de vida.18, 26
Wolkenstein em um estudo com 128 casos relatou achados semelhantes sendo que neste estudo pode correlacionar a visibilidade das lesões relacionadas à NF1 com o diminuição da qualidade de vida em geral, fato que não relatado posteriormente por Page.26 A visibilidade das lesões foi o fator isolado de pior qualidade de vida encontrado por Kodra em um estudo conduzido na Itália com 129 pacientes.11
Em sua publicação Kodra ainda relata o sexo feminino como outro fator contribuindo de maneira negativa na diminuição da qualidade de vida. Ainda em relação ao estudo italiano, pacientes com lesões mais visíveis apresentaram maior chance de doenças psiquiátricas e foi sugerido que o tratamento cosmético é a principal abordagem visando a melhora da qualidade de vida nestes pacientes.11,
Tendo em vista o caráter genético, recidivante e a transmissibilidade, o impacto da NF1 na família, população infantil e alterações de aprendizado foi analisado por outros autores com resultados semelhantes.11, 12, 17, 19, 25
Um estudo realizado na Holanda por Oostenbrink19 e colaboradores no ano de 2006 e 2007 avaliou 34 famílias com crianças menores que 6 anos portadoras de NF1. Na faixa etária analisada o impacto do diagnóstico da NF1 foi maior na percepção da qualidade de vida pelos pais do que nas próprias crianças afetadas, atribui-se este achado ao fato dos pais possuírem maior conhecimento da doença e sua evolução. A percepção da doença pelos pais foi um fator independente relacionado à piora da qualidade de vida. Neste estudo também observou-se que famílias com maior grau de escolaridade apresentavam um escore pior. Em nosso estudo, levando em consideração que os pacientes que procuram o serviço da Santa Casa apresentam nível sócio-econômico, em média, mais baixo do que os pacientes que procuram a Clínica Ivo Pitanguy, este fato não foi verificado. Em média o escore dos pacientes operados na Clínica Ivo Pitanguy foi 5% menor (que no índice utilizado é melhor) em relação aos pacientes da Santa Casa.
Krab12 em 2009 encontrou resultados semelhantes a Oostenbink. Após avaliação das respostas de pais de crianças portadoras de NF1 comparadas às das próprias crianças, os pais relataram pior qualidade de vida ligada à doença. Apesar da disparidade entre pais e crianças acometidas, suas respostas foram correlatas. Krab ainda correlacionou vários fatores que podem influenciar as respostas obtidas no questionário infantil, dentre os quais: classe socioeconômica, sexo, NF1 familiar, severidade dos sintomas e, em particular, a presença de sintomas comportamentais. Nosso estudo demonstrou que pacientes do sexo feminino relataram um maior impacto na qualidade de vida relacionada à doença.
Em relação ao tratamento sabe-se que não existe cura para a NF1, porém existem medidas que podem melhorar bastante a vida dos indivíduos afetados.3, 4, 14, 15, Estas medidas devem ser direcionadas para os diversos tipos de lesões que caracterizam a doença e levam à estigmatização social.
A principal terapia utilizada para a NF1 é a cirurgia. Existem várias modalidades de atuação, que lançam mão de técnicas de cirurgia ortopédica, plástica ou neurocirurgia.7 As modalidades extracirúrgicas são bastante limitadas até o momento.3 Não existem estudos que sugiram a eficácia da radiacão ou quimioterapia no tratamento de neurofibromatose plexiforme.2,3,7,14 Também deve ser levado em consideracão que os pacientes portadores de NF1, tratados com radiacão ou agentes alquilantes, possam ter mais risco de desenvolver uma segunda malignidade.3 Estes tratamentos deveriam ser restritos aos casos em que seja comprovado, histologicamente, um quadro de malignidade.3,7
Novos tratamentos estão em fase de avaliação e poderão representar novas opções de futuros tratamentos. Eles estão direcionados aos mecanismos fisiológicos e a patogênese do desenvolvimento dos neurofibromas.
As alternativas atualmente em estudos são:7
Imunológicas – anticorpos monoclonais dirigidos contra receptores dos fatores de crescimento tumoral.
Vacinas – empregando células tumorais geneticamente modificadas ou células imunoestimulantes.
Anticorpos carreadores com radioisótopos ou toxinas no sitio neoplásico em combinação com quimioterapia.
Os neurofibromas cutâneos podem ser removidos pela cirurgia plástica, embora sabemos que há chance de recidiva, sendo difícil dizer se são ou não novos tumores.3, 14, 20 A técnica preconizada pelo serviço é a remoção cirúrgica por excisão direta. É descrito também o uso do laser de CO2 para a remoção ambulatorial destas lesões, esta técnica está relacionada a menor perda de sangue,3, 7, 15 porém alguns autores sugerem uma maior recidiva destas lesões, indicando o laser apenas em lesões pequenas.3 Não há evidência que suporte o uso do laser de CO2 de maneira rotineira para o tratamento de manchas café-com-leite.3
Existe distinção entre indicação absoluta e relativa para o tratamento cirúrgico dos neurofibromas cutâneos. São indicações absolutas, os tumores malignos, as grandes lesões ulceradas e os neurofibromas localizados, por exemplo, na mucosa da laringe, trazendo dificuldades respiratórias. A indicação relativa recairia sobre os neurofibromas limitados a pequenas regiões, tais como face, ou que tragam maior desconforto para o paciente. Em casos com ampla distribuição de lesões, a remoção torna-se difícil.7, 14
Os tumores plexiformes representam um desafio a parte. São tumores volumosos, que estão relacionados a grandes deformidades, podendo representar um risco de vida para o paciente e ocasionalmente provocam dor.7Este sinal pode sugerir malignidade, que vai ocorrer em cerca de 4% destes tumores. A transformação maligna ao nível da bainha do nervo periférico, uma complicação que é refratária ao tratamento, tanto pela inexistência de opções terapêuticas atuais eficazes para sarcomas de tecidos moles em geral, como também pela demora no diagnóstico, já que ocorre alteração em apenas uma pequena porção de um tumor volumoso pré-existente. Nestes casos, tornam-se vermelhos, quentes, dolorosos e crescem rapidamente, levando à atrofia, parestesia e fraqueza distal, às vezes invadindo estruturas vitais adjacentes. Devido à intensa vascularização, são tumores que levam a um maior sangramento cirúrgico, muitas vezes, sendo necessária a reserva sanguínea ou a ressecção em etapas. 2, 3, 7, 14, 20
Uma vez que um dos mais importantes impactos da NF1 é o emocional, decorrente das lesões cutâneas, a remoção pode ser um imensurável benefício ao paciente, inclusive do ponto de vista psicológico.1, 23, 25
Um projeto norte-americano de estudo clínico para tratamento foi instituído com o propósito de avaliar três medicamentos no tratamento de neurofibroma plexiforme e glioma óptico em adultos e crianças com NF1. Os medicamentos são o ácido 13-cis-retinóico, interferon alfa-2a e etoposida, não há dados conclusivos até o momento.3, 7 O uso da radioterapia é contra-indicado devido ao risco de transformação maligna.2, 3
A radioterapia na NF1 tem sua indicação no tratamento adjuvante de tumores malignos de bainha dos nervos periféricos maiores que 5 cm, lesões de alto grau e tumores com ressecção incompleta.2, 3 Ifosfamida e doxorrubicina podem ser administradas como tratamento paliativo em pacientes com doença metastática e para redução tumoral com o objetivo de transformá-lo em ressacável.3
As dificuldades acadêmicas e a desordem de aprendizado parecem representar a manifestação pediátrica mais comum da NF1. Entretanto, são condições difíceis de serem investigados. 10 A maioria das pessoas com NF1 possui uma inteligência normal, apesar de em alguns casos os escores médios dos testes que medem a função intelectual terem se apresentado um pouco abaixo do esperado. Acredita-se que as dificuldades de aprendizado ocorrem em cerca de metade das crianças e adolescentes com NF1, mas não existe um perfil específico reconhecido para caracterizar os problemas de aprendizado que podem estar presentes neste distúrbio.2, 3, 5, 10, 12, 17
Apesar de não existir um perfil específico, as características mais comuns na NF1 podem incluir disfunção no desenvolvimento da linguagem, pensamento visual-espacial e integração visual-motora.10 A deficiência para expressar uma linguagem escrita e verbal é comum e freqüentemente não é reconhecida por professores e pais. Ademais, os problemas no desenvolvimento da expressão podem afetar o desenvolvimento acadêmico, estima própria e afetividade social.10, 17
As alterações ósseas mais comumente vistas em NF incluem deformidade da coluna vertebral e anormalidades no desenvolvimento ósseo. Estas alterações são manifestações detectadas principalmente em NF1 e são incomuns em NF2. Dentre as deformidades da coluna a mais freqüente é a escoliose, podendo também existir uma cifose.3, 7
Existem outras manifestações ósseas menos freqüentes, mas não menos importantes que são: cistos subperiósticos, osteoporose ou osteoesclerose focal, ausência de patela, corpos vertebrais com pedículos deformados, anormalidades no crescimento ósseo, malformação dos dedos, elevação congênita da escápula, e assimetria da face e do crânio2, 3, 7. As demais alterações do crânio incluem rarefação óssea, crânio bífido, ausência da parede superior posterior da órbita com exoftalmia e acometimento do osso frontal e asas maiores e menores do esfenóide. A hipoplasia óssea geralmente se manifesta por hipoplasia em faixa vista através do exame radiográfico para visualizar as costelas.7
O tratamento da NF1 está vinculado à expressão clínica de cada caso, podendo ser necessária a participação de diversos especialistas.3
O aconselhamento genético é recomendado antes da concepção em todos os indivíduos com NF1. Um indivíduo com NF1 tem 50% de chance para transmitir a condição a um descendente, porém as deformidades que aparecerão não podem ser preditas.2, 3, 5, 13 Quando consideramos complicações que causam maior morbidade ao longo da vida ou mortalidade precoce, o risco de ter uma criança afetada é de aproximadamente 1:12.3
Ocasionalmente um familiar pode ter uma forma segmentar ou mosaico de NF1. Apesar do familiar poder apresentar poucos sinais ou sintomas, ele pode ter um risco maior de ter uma criança com NF1 clássica.3
Em alguns países existem protocolos de interrupção da gestação em casos de diagnóstico pré-natal de NF1, conduta que é questionada pois não se pode prever com segurança a gravidade dos sintomas.3, 24 Outros protocolos incluem a fertilização de embriões pré-selecionados.3
Conclusões
A NF1 é uma doença genética sem cura até o momento e que impõe aos indivíduos afetados uma dificuldade de socialização e limitação da qualidade de vida, seja por seu caráter desfigurante ou por alterações de desenvolvimento intelectual. O conhecimento desta limitação é um fator importante na decisão cirúrgica, uma vez que a tomada de decisão passa a considerar também o fator psique. Fatores socioeconômicos, culturais e o conhecimento de doença influenciam a forma como o indivíduo é afetado emocionalmente e na vida diária. É recomendável que os pacientes passem por um aconselhamento genético, sabendo que a chance de transmitir a NF1 para um descendente direto é de 50%
O caráter recidivante da NF1 deve ser levado em conta na indicação cirúrgica, evitando-se desta forma cirurgias mutilantes e dando preferência a procedimentos de menor porte. Os pacientes devem ser acompanhados por uma equipe multidisciplinar, tendo em vista a diversidade de manifestações.
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