O tratamento atual do câncer mamário objetiva extirpar o tumor com um mínimo de prejuízo funcional e estético de modo a não interferir na eficácia do tratamento e facilitando, ao mesmo tempo, uma futura reconstrução mamária quando indicada (Fig. 1).
Ao considerar uma mama já reconstruída, tendo ao dispor diversos tipos de procedimentos e suas limitações, o cirurgião plástico muitas vezes se depara com problemas inerentes à mama contralateral ou mama remanescente. Estes problemas, tais como a hipertrofia, a ptose, uma assimetria acentuada, ou a presença de outras patologias, dificultam a obtenção de simetria de volume e/ou forma em relação à mama reconstruída.
Fig. 1 – Esquema de Haagsen que divide a mama em quadrantes em relação à distribuição das neoplasias mamárias
A abordagem da mama contraleteral (MCL) numa paciente já submetida a tratamento por câncer mamário é controversa. Dentre os fatores que irão influenciar na indicação do tratamento cirúrgico, o mais importante é determinar se a paciente tem um baixo ou alto risco de desenvolver Câncer na MCL1. Para tal determinação, têm fundamental relevância os seguintes aspectos: idade da paciente, tipo histológico do câncer já ressecado e história familiar. Desta forma, a maior ou menor probabilidade da MCL apresentar um tumor é da maior importância na escolha da cirurgia.
O acompanhamento da MCL pode ser realizado através de: tratamento conservador sob observação clínica; biópsias múltiplas (principalmente no quadrante súpero-externo e no quadrante “espelho” em relação ao tumor inicial) ou ainda mastectomia subcutânea (adenectomia mamária) com ressecção do complexo areomamilar, da fáscia muscular e da cauda axilar de Spence. Existe na literatura uma controvérsia no que concerne à eficácia na mastectomia subcutânea simples, uma vez que se corre o risco de parte do tecido comprometido não ser removido, que futuramente, mesmo em 10 anos de pós-operatório, acarretaria a formação do tumor2-4, como relata Humphrey.
Pacientes que não apresentam história familiar importante ou nas quais o tumor inicial era único, são classificadas como sendo de baixo risco. A conduta com a MCL irá variar então, de acordo com o desejo da paciente e o grau de assimetria observado.
Conduta cirúrgica
Considerando-se o volume e a forma da MCL, podemos classifica-la em5:
– normal: quando o aspecto e o volume são proporcionais ao contorno corporal da paciente. Neste caso só intervimos se a paciente não estiver satisfeita com a sua forma (Fig. 2).
– hipertrófica: quando a MCL possui um volume aumentado de tecido mamário. Geralmente tratada usando-se a técnica de mamaplastia redutora de Pitanguy ou a técnica losangular (Arié-Pitanguy) nos casos mais discretos6,7(Fig. 3).
– hipoplásica: quando a MCL é hipodesenvolvida. O tratamento consiste em mamaplastia de aumento com prótese de material aloplástico (Fig. 4).
– ptosada: quando o grau de flacidez e excesso de tecido cutâneo da MCL está em desarmonia com o contorno corporal. Nestes casos indicamos uma mastopexia, podendo-se empregar ou não a inclusão de prótese para obter o volume desejado (Fig. 5).
A época ideal para operar a MCL também é um ponto controvertido entre alguns autores8. O procedimento que de vera ser realizado na MCL objetiva promover simetria e poderá ser feito concomitante com a reconstrução mamária, ou no momento da reconstrução do complexo areolomamilar, ou ainda em um tempo cirúrgico tardio à reconstrução.
Variáveis como a técnica a ser empregada e a conveniência da paciente irão determinar o momento ideal da cirurgia.
Fig. 2 – Mama contralateral considerada normal quanto ao biótipo da paciente
Fig. 3 – Mama contralateral hipertrófica, desproporcional à conformação torácica
A avaliação global da paciente é muito importante. Muitas vezes, após a mastectomia, a MCL que era proporcional ao contorno corporal da paciente passa a ser vista, pela própria paciente, como uma mama hipertrófica. A desigualdade de volume acarreta um desequilíbrio estrutural da região torácica, causando desconforto em graus variáveis9 (Fig. 6). O desequilíbrio pode permanecer mesmo após a reconstrução mamária, nos casos em que a simetria não foi obtida. Este aspecto estrutural aliado ao componente estético constitui a principal indicação para o tratamento da MCL.
MATERIAIS E MÉTODOS
Foram analisados 66 casos de pacientes mastectomizadas submetidas à reconstrução mamária. Observou-se que em 56 casos houve necessidade de algum procedimento cirúrgico na MCL, durante ou após a reconstrução mamária, visando obter simetria. Nos 10 casos restantes, não foi necessário qualquer outro procedimento objetivando e simetrização (Fig. 7A, B, C, D).
Fig. 4 – Mama contralateral hipoplásica
Fig. 5 – Mama contralateral ptosada, caracterizada pelo apagamento do pólo superior
Fig. 6 – Paciente Mastectomizada, portadora de gigantomastia à esquerda, responsável por deformidade importante e desconforto físico
Fig. 7A – Paciente de 44 anos, submetida a mastectomia há um ano. B – Inclusão de expandor sutâneo de 600 ml. C– Retirada do expansor após oito semanas e inclusão de prótese de silicone gel revestida de poliuretano (160 ml). D – Reconstrução da aréola com enxertia de pele da raiz da coxa e reconstrução do mamilo utilizando o contralateral. Pós-operatório de um ano com a completa reconstrução da mama, não sendo necessário qualquer procedimento para a simetrização mamária.
Os procedimentos utilizados na MCL foram: mamaplastia redutora pela técnica de Pitanguy ou de Arié-Pitanguy, mamaplastia de aumento por simples inclusão de prótese ou associada ao tratamento de pequena ptose (Figs. 8A, B; 9A, B e 10).
Analisamos também a época em que foi realizado o procedimento na MGL em relação à cirurgia para reconstrução da mama amputada.
Todas as MCL foram examinadas histologicamente, possibilitando uma análise em relação ao laudo histológico da patologia inicial.
Fig. 8A – Marcação clássica da técnica de Pitanguy para mamaplastia redutora. B – Resseção do pólo inferior da mama em forma de quilha.
Fig. 9A – Técnica de Arié-Pitanguy para redução mamária. Marcação da incisão B – Montagem da mama com aproximação dos pilares.
Fig. 10 – Marcação da técnica Pitanguy para redução da mama contralateral concomitante à reconstrução mamária om inclusão de prótese de silicone
RESULTADOS
A faixa etária das pacientes submetidas a algum procedimento para simetrizar a MCL avariou de 27 a 69 anos. A maior incidência ocorreu na faixa etária entre 40 e 49 anos, seguida da faixa entre 50 e 59 (Tabela 1).
Tabela 1
Faixa etária | % |
20 – 29 anos | 3,6 |
30 – 39 anos | 8,9 |
40 – 49 anos | 46,4 |
50 –59 anos | 32,2 |
60 ou mais | 8,9 |
O intervalo entre a mastectomia e a intervenção na MCL variou entre 8 meses e 21 anos, com uma média de 47 anos.
Observamos uma maior frequência de MCL hipertróficas ptosadas (21 casos), seguindo-se as ptosadas (16 casos) e as mamas normais (10 casos)(Tabela 2). Consideramos a mama ptosada como aquela que mantém seu volume proporcional ao contorno corporal da paciente, separando-as, assim, daquelas mamas ptóticas associadas a hipertrofia ou hipoplasia.
Quanto à abordagem da MCL, o procedimento mais usado foi a técnica clássica de mamaplastia redutora de Pitanguy, com 29 casos, seguindo-se a técnica de Arié-Pitanguy, com 18 casos. A mamaplastia de aumento foi empregada em sete casos e a retirada simples de fuso de pele em dois casos (Tabela 3).
Tabela 2
Classificação da mama contralateral | % |
Hipertrófica ptosada | 37,5 |
Ptosada | 28,6 |
Normal | 17,8 |
Hipoplásica ptosada | 12,5 |
Hipertrófica | 3,6 |
Tabela 3
Técnica utilizada | % |
Técnica de Pitanguy | 51,8 |
Técnica de Arié-Pitanguy | 32,1 |
Inclusão de prótese | 12,5 |
Outras | 3,6 |
Em 48 casos o complexo areolomamilar da MCL foi utilizado para reconstrução do CAM da mama reconstruída, sendo que a técnica mais empregada foi a de Pitanguy10,11, em 37 casos (Tabela 4)(Fig. 11A, B). Em alguns casos a aróla da MCL foi expandida com intuito de se obter maior área doadora para reconstrução do CAM em outro tempo cirúrgico (Fig. 12A, B).
Quanto à época da cirurgia da MCL, ela ocorreu na maior parte dos casos concomitante com a reconstrução mamária por inclusão de prótese de silicone (51,8%). A cirurgia da MCL foi adiantada para o tempo da reconstrução do CAM em 35,7% (23,2% pós-reconstrução por inclusão de prótese e 12,5 pós-reconstrução empregando-se retalho miocutâneo). A abordagem da MCL foi concomitante à inclusão do expansor cutâneo em 3,6%, e postergada para ser realizada tardiamente em relação à reconstrução mamária em 8,7 (Tabela 5) (Figs. 13A, B, C, D e 15A, B, C, D, E, F).
Tabela 4
Reconstrução do CAM | % |
Técnica de Pitanguy | 66,1 |
Mamilo CL + pele da região crural | 14,3 |
Retalho dérmico + pele da região crural | 7,1 |
Técnica de Pitanguy + expansão de aréola | 3,6 |
Retalho dérmico + aréola CL | 1,8 |
CAM preservado | 7,1 |
Tabela 5
Época da simetrização | % |
Com a prótese | 51,8 |
Com a reconstrução do CAM
– Após o uso da prótese – Após uso de retalho |
23,2 12,5 |
Com a inclusão de expansor | 3,6 |
Simetrização tardia | 8,9 |
Fig. 11A – Técnica de Pitanguy para a reconstrução do complexo areolomamilar utilizando-se um anel da periferia areolar e num segmento hemimamilar do CA contralateral. B – Reconstrução do CAM utilizando–se segmento de mamilo fixado na área central e aréola suturada em espiral
Figs 12A – Técnica da aréola para reconstrução do complexo areolomamilar. Detalhe da marcação. B – Aspecto final da sutura areolar
Trinta pacientes apresentam laudo histopatológico do tumor primário da mama amputada: 86,6% tinham laudo de carcinoma ductal, 6,7% de fibrossarcoma e 6,7% de outros tipos de tumores.
O exame histológico das MCL revelou uma maior incidência de fibroadiposidade (33 casos), seguido de displasia mamária, adenose e mastite crônica cística.
Tivemos complicações de pequenas proporções. Um caso de seroma tratado por simples aspiração e dois casos de alargamento de cicatriz periareolar.
Fig. 13A, B – Paciente de 38 anos submetida há dez anos a cobalterapia para tratamento de neoplasia mamária. Foi ressecado bloco fibrótico com radiodermite e roda de um retalho abdominal para a futurareconstrução mamária. Após sete meses foi introduzida prótese de silicone gel de 170 mil e realizada redução mamária contralateral pela técnica de Pitanguy. C, D – Aspecto final após reconstrução do complexo aréolo-mamilar segundo a técnica do autor sênior. Follow-up de um ano.
DISCUSSÃO
Entende-se por simetrização qualquer procedimento cirúrgico realizado na MCL que proporcione uma harmonia entre esta e a mama reconstruída. Nem todos os casos necessitam deste procedimento, somente as pacientes que possuem a MCL maior ou menor, associada ou não à ptose. Esta associação é muito frequente sobretudo na faixa etária mais acometida.
Na literatura encontramos várias condutas relativas ao momento ideal para a simetrização. Quando, no entanto, a reconstrução mamária é feita em diversas etapas, este procedimento geralmente pode ser associado a qualquer uma delas.
Fig. 14A, B – Paciente de 68 anos, submetida a mastectomia esquerda há três anos. C.D – Realizada a simetrização concomitante à inclusão de prótese de silicone após o uso de expansor cutâneo. Reconstrução do complexo areolomamilar segundo técnica do autor sênior. Follow-up de um ano.
A mamaplastia pela técnica de Pitanguy permite uma abordagem ampla do parênquima mamário. O tipo de ressecção pode ser romboide ou semelhante a uma quilha de navio, de acordo com o caso. Após a retirada do tecido mamário, que geralmente significa 40% da mama, o cirurgião deve proceder à palpação cuidados e de outros segmentos, especialmente do quadrante superior externo12, 13 (Fig. 16 e 17A, B)
Nos casos específicos de reconstrução mamária com retalhos miocutâneos, como o reto abdominal, preferimos deixar a simetrização para a mesma etapa da reconstrução do complexo aréolo-mamilar.
Fig. 15A, B – Paciente de 44 anos, mastectomizada há dez meses. C, D – Foram realizadas inclusão de prótese de silicone gel (270 ml) e mamaplastia redutora à esquerda pela técnica de Pitanguy. Follow-up de cinco meses. E,F – Aspecto após reconstrução do complexo areolomamilar com a técnica do autor sênior. Follow-up de seis meses.
Fig. 16 – Esquema tridimensional representando o tipo de resseção em quilha
Fig. 17 A, B – Desenho segundo Haagensen, demarcado as áreas de incidência da patologia maligna, superposto pela marcação segundo a técnica de Pitanguy, que geralmente representa uma exérese de 40% de tecido mamário
Atualmente temos empregado próteses de silicone gel revestidas de poliuretano na reconstrução mamária, uma vez que sua aderência aos tecidos adjacentes permite uma melhor definição da forma e altura da neomama. Nesses casos, a simetrização pode ser feita logo no primeiro tempo.
Observamos que em algumas pacientes a reconstrução mamária por si só já havia proporcionado uma boa simetria entre as mamas, não necessitando qualquer procedimento na MCL, a não ser a retirada de um segmento do CAM para reconstrução do contralateral.
O intervalo médio de aproximadamente 5 anos entre a época da mastectomia e a simetrização fornece maior segurança quanto à ausência de neoplastia na MCL.
O estudo histopatológico do tecido da MCL com predominância de fibroadiposidade, seguida de displasia fibrocística e aderose, coincide com os dados encontrados na literatura referentes à presença ou não de tumor ou tecido anormal na MCL12.
CONCLUSÃO
A simetrização é um elemento fundamental para a reconstrução mamária, refletindo-se profundamente no equilíbrio psíquico da paciente.
A vontade e o juízo estético da paciente, considerando todas as suas fobias e ansiedades pela ocorrência de um novo tumor, a impulsionam na decisão desta cirurgia. Além da harmonia que proporciona este procedimento pode se fazer um controle histológico da MCL, tranquilizando a paciente.
A intervenção na MCL desempenha papel importante na postura da paciente, dado que o equilíbrio da coluna vertebral também depende da distribuição do peso torácico.
Pode ser realizada em qualquer tempo cirúrgico da reconstrução mamária; geralmente, porém, a mesma é feita concomitante com a inclusão da prótese de silicone, de modo a permitir a realização de retoques na MCL, quando necessário, na época da reconstrução do complexo areolomamilar.
REFERÊNCIAS
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