RELEMBRANDO: Modificaçoes anatômicas da fenda palpebral após blefaroplastia

Abstract

O presente trabalho apresenta uma estudo clínico prospectivo de 39 pacientes submetidos a blefaroplastia estética na 38 Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de janeiro, com o objetivo de determinar as modificações anatômicas da fenda palpebral e sua relação com o aparecimento dos sintomas de ‘’olho seco’’ no pós-operatório. Para melhor compreensão destas alterações e de suas consequências, os autores descrevem a anatomia da fenda palpebral, a fisiologia do sistema lacrimal e a síndrome de olho seco, ressaltando a importância da história clínica e da avaliação criteriosa da morfologia orbital e Peri orbital, na identificação de fatores predisponentes no pré-opreparatório. Nota editorial: Este trabalho foi apresentando pelo Dr. Marcelo Rodrigues da Cunha Araújo, em parte, no Concurso Jane Brentano para Residentes na XVI Jornada Carioca de Cirurgia Estética (agosto de 1997).

INTRODUÇÃO

Blefaroplastia estética é uma cirurgia bastante difundida e realizada com grande frequência na busca do rejuvenescimento facial. Qualquer modificações da fenda palpebral pode alterar a fisiologia ocular, não sendo rara a ocorrência de síndrome do olho seco após a blefaroplastia. Sendo os sintomas difíceis de controlar e a experiência desconfortável tanto para o paciente quanto para o cirurgião, é de grande importância a avaliação criteriosa pré-operatória. O conhecimento da anatomia e fisiologia da região órbitopalpebral  é de grande valia para o cirurgião que pretende realizar  este procedimento cirúrgico

 

 

ANATOMIA DA FENDA PALPEBRAL

Chama-se fenda palpebral  a abertura ou espaço limitado pelas margens livres das pálpebras superior e inferior5. As dimensões da fenda palpebral estão determinadas pela posição que assumem as pálpebras durante o ato de olhar, apresentando variações na forma, tamanho e obliquidade que obedecem padrões raciais, hereditários ou outras situações adquiridas ( traumatismo, cirurgia prévia, exoftalmia ). Na posição primária ( ie, o paciente está olhando  o horizonte, com as pálpebras abertas sem esforço ), a fenda palpebral apresenta uma conformação de elipse assimétrica, com seu eixo maior horizontal. A borda livre da pálpebra superior determina o limite superior da fenda, cobrindo o limbo superior em 1 a 2 mm ou a metade da distância do limbo e uma pupila dilatada. Tem uma forma curvilínea com seu ponto mas alto medial a pupila, e sua pendente máxima no 1/3 interno. O limite inferior da fenda é dado pela borda livre da pálpebra inferior que na maioria das vezes numa posição tangencial  ao limbo inferior. A borda livre da pálpebra inferior tem uma forma curva mais suave com seu ponto mais baixo lateral a pupila2,5,6 (Fig. 1).

Fig.1

As pálpebras juntam-se lateral e medialmente formando as comissuras palpebrais  cuja posição está determinada pela inserção dos ligamentos cantais interno e externo nas paredes da órbita. A distância entre borda superior e inferior representa o eixo vertical ou largura da fenda, a distância entre as comissuras representa o eixo horizontal ou comprimento. A relação da altura entre as comissuras determinará a obliquidade.
Fox², em 1966 publicou um trabalho onde media as fendas palpebrais de 1.732 paciente (excluindo pacientes de origem oriental, pálpebras com malformação congênita ou com patologia com modificações severas da fenda palpebral). Neste trabalho, as medidas das fendas com maior frequência apresentavam em média 28mm de comprimento por 10 mm de largura, sendo 10 mm a medida mais observada (32% do total). Por outro lado, a medida da comprimento variou de 28 a 30mm (72% dos casos) sendo o mais comum 28mm.

 

FISIOLOGIA PALPEBRAL E LACRIMAL

As pálpebras  são estruturas especializadas que atuam na proteção do olho ante agressões do meio externo, ao mesmo tempo que mantém uma abertura adequada para a função visual sem interferências, participando ativamente na formação do filme lacrimal em sua distribuição na superfície anterior do olho.
O filme lacrimal é uma estrutura líquida complexa  formada por três camadas bem definidas: superficialmente este filme é de composição lipídica, sua camada média é aquosa e, mais internamente, do tipo mucosa. Sua manutenção é de vital importância da filosofia ocular3,4,8-10.
•    As funções atribuídas ao filme lacrimal são:
•    Lubrificação para a movimentação palpebral;
•    Atividade antibacteriana por  meio de lisozimas  e beta lisinas  que encontram-se diluídas na fase aquosa;
•    Oxigenação do epitélio avascular da córnea;
•    Formação de superfície ótica refrativa9.

O filme lacrimal tri-lamelar é distribuído durante o ato de piscar. Quando o olho se fecha as pálpebras sofrem um estiramento lateral  à medida que se aproximam da linha média, ajustando-se contra a superfície anterior do olho, deslizando as duas camadas externas, ao mesmo tempo que se espalha uniformemente a camada mucosa interna. Isso permite que a córnea torne-se hidrofílica, restaurando rapidamente o filme tri-lamelar durante a reabertura ocular. Claramente, o filme lacrimal é muito instável e sua integridade depende de um efetivo fechamento palpebral como de um adequado ritmo de pisca mento. Caso o fechamento palpebral seja impedido; pontos de ressecamento são observados sob a superfície corneada.

O estreitamento do filme lacrimal ocorre em condições normais como resultado da movimentação das lágrimas até os fundos de saco lacrimal, como também pela evaporação durante a exposição ocular3,9,10.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente estudo foi desenvolvido na 38ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Serviço de Cirurgia Plástica do Professor Ivo Pitanguy, no período de maio a outubro de 1996. A avaliação constituiu em dados de identificação, antecedentes patológicos foi pesquisada a presença de hipertensão arterial, diabetes, alergia, enfermidades de tireoide, tabagismo, consumo de álcool e uso de medicação crônica (anticoncepcionais, anti-histamínico-cos, antidepressivos, ansiolíticos, etc).
Os antecedentes oftalmológicos foram notados, como alteração na acuidade visual, uso de lentes de contato, antecedentes de cirurgia, conjuntivites, úlcera da córnea, epífora e sintomas de olho seco ( estes últimos caracterizados por sensação de coceira e de corpo estranho nos olhos).

No exame físico foi registrada a presença de exoftálmina, flacidez de pálpebras inferior, hipoplasia maxilar, presença de esclera aparente, obliquidade da fenda e sinais de irritação ocular. Todos os pacientes foram devidamente fotografados antes da cirurgia.
O tamanho das fendas foi medido empregando-se para isso uma régua milimétrica como instrumento de medição, com a seguinte propedêutica. A fenda palpebral é medida com o paciente posicionado à frente do examinador e na mesma altura. O paciente é orientado a fixar a vista na posição primária do olhar, logo após, medidas do eixo máximo vertical e o eixo máximo horizontal de cada fenda são tomadas. Completando o procedimento, a medida da excursão da pálpebra superior, bloqueando a ação do músculo frontal, é também avaliada (função do músculo elevador da pálpebra).

Três meses após a cirurgia, com idêntica metodologia, os pacientes foram reavaliados. Toda alteração da anatomia normal foi registrada (presença da lagoftalmos, “scleral show’’, ectrópio, arqueamento 1/3 lateral da borda inferior, etc.)

A ocorrência dos sintomas irritativos foi pesquisada e definida a presença da “síndrome de olho seco’’ nos pacientes que enquadravam-se nos seguintes critérios.
•    Sensação de corpo estranho no olho como sintoma principal.
•    Presença de olhos irritados, avermelhados e com lacrimejamento.
•    Melhoria obtida com medidas terapêuticas conservadoras (lágrimas artificiais, lubrificantes, medidas clínicas de proteção ocular noturna).

RESULTADOS

Foram avaliados 39 pacientes submetidos a blefaroplastia entre os meses de maio a outubro de 1996, sendo 37 do sexo feminino (94,8%).
A medida de idade foi de 54 anos com uma variação de 37 a 67. A distribuição por faixa etária pode ser vista na seguinte Tabela.

Faixa Etária                                      Frequência                                                   %
30-30         2                                   5,1
40-49         8                                 20,5
       17                                 43,6
       12                                 30,8
Total        39                       100

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Com relação aos antecedentes patológicos encontramos hipertensão arterial sistêmica (23%), tabagismo (16,7%), alergia (7,69%), enfermidade da tireoide (5%) e diabetes (2,5%).

Dentro dos antecedentes oftalmológicos encontramos 14 pacientes (39%) com alterações refrativas sendo a mais frequente a presbiopia. No exame físico da região orbito palpebral encontramos:

Achados físicos   Nº de pacientes                           %
Flacidez da pálpebra             13                              33,3
Esclera aparente              8                              20,5
Proptose              7                              17,9
Hipoplasia malar              5                              12,8

Análise das medições das fendas palpebrais no pré-operatório mostrou que a medida do eixo horizontal (comprimento da fenda),  mais frequente foi 28mm (25,6%). A média total das medidas do eixo horizontal da fenda palpebral foi 29,2 mm.

Eixo    Horizontal em mm 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33
 

Distribuição em %

1,3 1,3 6,4 6,4 25,6 15,4 25,6 9,0 7,7 1,3

Com relação a medida do eixo vertical (largura da fenda), a medida de 8mm foi a mais observada (29,5%), sendo a média de 9,4 mm.

Eixo vertical em mm 6 7 8 9 10 11 12 +12
Distribuição em % 2,6 5,1 29,5 17,9 16,7 15,4 7,7 5,1

Foi observada assimetria das fendas em um mesmo individuo, em 70% dos casos, sendo as diferenças raramente superiores a 2mm. Quanto a obliquidade de fenda encontramos uma inclinação de tipo mongoloide na maioria dos pacientes (70%). Os procedimentos cirúrgicos empregados poderão ser analisados abaixo.

Procedimentos realizados Nº pacientes %
Blef. Sup. (pele e bolsa) +

Blef. Inf. Transcutânea

 

      34                           87,3
Blefaroplastia sup. Isolada

 

       3                            7,6
Blef. Sup. (pele e bolsa) +

Blef. Inf. Transconjuntival

 

       1                            2,5
“Tarsal strip’’         1                            2,5

 

 

Entre os procedimentos associados encontramos a ritidoplastia cérvico-facial em 59% dos pacientes, ritidoplastia frontal em sete pacientes (17,9% ) sendo em dois casos a abordagem feita por vídeo endoscopia.

Noventa e cinco por cento do total dos pacientes mostraram alterações nas medidas dos eixos vertical e horizontal das fendas. A análise individual das fendas mostrou a diminuição do eixo vertical 42,3%. Outra medição que sofreu modificação foi a excursão da pálpebra superior que diminuiu em 67,5% dos pacientes.

 

Modificações da fenda palpebral após blefoplastia no eixo horizontal Frequência                               %
          Aumento     1                         1,3
         Diminuição    45                       57,7
         Não alterada    32                       41
              Total    78                     100

 

 

Modicações da fenda palpebral após blefoplastia no eixo vertical Frequência                                 %
          Aumento      33                           42,3
          Diminuição      19                           24,4
          Não alterada      26                           33,3
             Total      78                       100

 

 

Doze pacientes apresentaram sintomas irritativos no pós-operatório de duração variável (30,8%) recebendo tratamento sintomático a base de colírios de lágrimas artificiais e lubrificante. Dois pacientes apresentaram epífora unilateral no pós-operatório tardio sem sintomas irritativos
Para concluir, dentre as modificações anatômicas encontradas no pós-operatório, a presença de “scleral show’’ foi a mais frequente (25%), acompanhada de arqueamento palpebral inferior.

DISCUSSÃO

A anatomia da fenda palpebral apresenta variações de um indivíduo para outro dependendo de fatores raciais, genéricos e condições locais adquiridas, como traumatismos, cirurgias prévias e alterações senis. Esta anatomia é também influenciada pela quantidade relativa de pele, gordura, tecidos moles e pela estrutura óssea periorbitária5,6.

O grupo de pacientes estudados era constituído em sua maioria, de mulheres em idade pós menopausa (a medida de idade foi de 58 anos), sendo esta condição responsável pelo favorecimento do estado de deficiência lacrimal3,8-11. Esta mesma susceptibilidade ocorre também em pacientes hipertensos, com antecedentes de alergia (possivelmente pela ingestão crônica de anti-histamínicos), história de hiper hipotireoidismo, tabagismo e idade avançada10. O uso crônico de medicação anti-hipertensiva (diuréticos e Bloqueadores), antidepressivos tricílicos e ansiolíticos também afetam a produção lacrimal normal, diminuindo sua produção10,11.

A estabilidade do filme lacrimal está intimamente associada a uma correta função do pisca mento, e o tamanho da fenda somam-se às características da anatomia, Peri orbitária, constituindo os fatores determinantes que, uma vez alterados após a blefaroplastia, podem quebrar o equilíbrio da fisiologia lacrimal desencadeando o aparecimento da síndrome de olho seco pós-blefaroplastia10.

A modificação anatômica mais frequentemente achada no pós-operatório foi a diminuição do eixo horizontal da fenda, sendo encontrada em 57,7% das fendas examinadas, com uma média de encurtamento de 4,2%

Neste estudo, 31% dos pacientes apresentara sintomas irritativos persistentes no pós-operatório, coincidindo com o estudo de Rees e La Trenta10. Nos pacientes com sintomas irritativos no pós-operatório, o percentual de encurtamento da fenda palpebral aumentou para 5,5% chegando em casos individuais a 9%. Quanto maior o grau de encurtamento da fenda mais importante e persistentes foram as queixas e ressecamento ocular.

Outra modificação frequentemente observada foi o aumento do eixo vertical da fenda (42,3% das fendas examinadas). O grau de aumento médio foi de 2,1%. A combinação de aumento do eixo vertical e diminuição do eixo horizontal, leva um arredondamento da fenda com consequente aumento da superfície ocular exposta, dando lugar a evaporação e ruptura precoce do filme lacrimal desencadeamento ceratopatia por ressecamento em indivíduos predispostos.

As retrações da pálpebra inferior constituem as sequelas mais frequentes no pós-operatório tardio das blefaroplastia1,13. Nos casos mais leves, a pálpebra inferior retraída resulta em uma depressão lateral ou arqueamento da margem inferior e lateral da fenda. Formas mais severas de retração podem acabar em exposição esclera ou ectrópio desequilibrando completamente a estabilidade do filme lacrimal13.

As incisões através da pele e músculo orbicular enfraquecem a musculatura e resultam num edema considerável. A abertura do septo orbital e subsequente retração de todos os tecidos provoca alterações da posição palpebral7.

Muitas vezes uma pálpebra inferior com mínima flacidez pode apresentar retração pós-operatória apesar de não ter sido ressecada a pele. Nestes casos os fenômenos cicatriciais vencem a tensão diminuída do ligamento canta lateral1, 10, 13.

A identificação de pacientes com estados subclínicas de deficiência lacrimal pode ser difícil3,8. Rees e La Trenta avaliaram pré-operatoriamente 100 Pacientes submetidos a blefaroplastias e encontraram que os antecedentes clínicos bem como a morfologia da região orbitária e periorbitária eram mais importantes e confiáveis que o teste de Schrimer na avaliação da predisposição ao desenvolvimento da síndrome de olho seco no pós-operatório10. Certas características anatômicas das estruturas orbitais e periorbitárias , que incluem exoftalmos , flacidez palpebral inferior, hipoplasia malar e esclera aparente, demonstraram estatisticamente serem fatores de propensão para o desenvolvimento da síndrome de olho seco no pós-operatório10. Analisando o nosso grupo de pacientes com sintomatologia irritativa, encontramos tais características em 70% dos pacientes antes da cirurgia.

Com relação à técnica cirúrgica, é prudente que em pacientes assintomáticos com fatores de predisposição para o olho seco na avaliação pré-operatória, a abordagem seja conservadora : a ressecção de pele , músculo e gordura devem ser mínima , sobretudo na pálpebra superior que atua na proteção da córnea9,10.

Existindo flacidez da pálpebra inferior, esta deve ser corrigida no ato da blefaroplastia , associando-se um procedimento de suspensão tarsal ou cantopexia.

A abordagem Transconjuntival das pálpebras inferiores é de grande utilidade em pacientes com pouco excesso de pele. Esta abordagem deixa os tecidos pré-septais intactos diminuindo os problemas causados pela retração cicatricial no pós-operatório tardio. A associação da blefaroplastia Transconjuntival e cantopexia é uma associação muito favorável em casos clínicos selecionados para blefaroplastia inferior.

Fig. 2A – Pré-operatório: paciente de 42 anos sem alterações ou sintomas de olho seco.

Fig. 2B – Pós-operatório de 3 meses (blefaroplastia superior e inferior transcutânea) , mostrando discreto arqueamento do terço lateral da pálpebra inferior. Paciente sem sintomas irritativos.

Fig. 3A – Pré-operatório: paciente de 56 com discreta flacidez de pálpebra inferior , hipertenso e com queixas leves de ressecamento ocular.

Fig. 3B – Pós-operatório de três meses (blefaroplastia superior e inferior transcutânea), mostrando esclera aparente bilateral (1mm) com arredondamento da fenda palpebral. Paciente com sintomas irritativos severos.

Fig. 4A – Pré-operatório: Paciente de 55 anos sem alterações anatômicas fazendo uso crônico de lente de contato

Fig. 4B – Pós-operártorio de 3 meses (blefaroplastia superior e inferior transcutânea) com esclera aparente bilateral 2mm com diminuição do eixo horizontal e sintomas irritativos severos.

CONCLUSÃO

•    As modificações da anatomia da fenda palpebral acontecem com elevada frequência em pacientes submetidos a blefaroplastia estética.
•    As alterações na fenda palpebral após blefaroplastia pode desencadear a aparição da síndrome de olho seco no pós-operatório em indivíduos previamente assintomáticos .
•    A história clínica como as características anatômicas da região orbitária e periorbitária são de grande utilidade na avaliação pré-operatória de pacientes com pré-disposição a desenvolver síndrome de olho seco.
•    A modificação da técnica cirúrgica em casos selecionados pode evitar o aparecimento de sintomas irritativos no pós-operatório.

 

REFERÊNCIAS

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