Abstract
Este artigo descreve o protocolo adotado no Instituto Ivo Pitangy para prevenção do tromboembolismo venoso durante cirurgias plásticas.
INTRODUÇÃO
O tromboembolismo venoso (TEV), que abrange a trombose venosa profunda (TVP) e embolia pulmonar (EP), é a causa de óbito mais previsível em pacientes hospitalizados. O risco absoluto de TVP em pacientes hospitalizados é estimado em 10 a 20% em pacientes clínicos e 15 a 40% em pacientes cirúrgicos.1 A incidência de tromboembolismo pulmonar é de 200 mil novos casos/ano nos Estados Unidos, com 30% de óbito no 1º mês.2
Toda cirurgia, através da tríade de Virchow, promove a prevalência de fatores trombogênicos em detrimento dos elementos trombolíticos no sangue. A estase venosa pela imobilização prolongada na mesa cirúrgica soma-se ao estado pró-coagulante pós-cirúrgico, em que a lesão vascular múltipla inicia uma cascata em direção ao bloqueio do sangramento, diminuindo a atividade fibrinolítica.3 Os eventos tromboembólicos são fonte de grande preocupação devido às altas taxas de morbimortalidade e pela possibilidade de uma apresentação clínica muitas vezes inespecífica ou mesmo escassa. Portanto, a idéia de que os pacientes submetidos a cirurgia plastica estão sob baixo risco para TEV deve ser revista. Até porque não é a cirurgia somente que contribui para o risco, mas também fatores inerentes ao próprio paciente.
Os pacientes que se submetem à cirurgia plastica são geralmente saudáveis e qualquer complicação advinda deste tipo de procedimento leva a repercussão mais grave devido a menor complacência para sua ocorrência. A prevenção do tromboembolismo venoso tem ocupado um espaço cada vez mais proeminente na prática médica nos últimos anos, assim como as propostas para a normatização de protocolos. Principalmente em cirurgia plástica, onde o cirurgião plástico se encontra frente ao risco de tromboembolismo de um lado e do receio de complicações hemorrágicas do outro, o estabelecimento de um protocolo se torna fundamental.4
A estratégia preventiva só pode ser avaliada e estabelecida com o conhecimento das condições de risco que o paciente apresenta, sendo este o papel definitivo da avaliação pré-operatória. No Instituto Ivo Pitanguy, todos os pacientes que serão submetidos a procedimento cirúrgico passam por rigorosa avaliação clínica pelo Serviço de Clínica Perioperatória. Nesta avaliação é realizada anamnese minuciosa seguida de exame físico e da análise dos exames complementares e tornando possível tomar conhecimento de todos os achados clínicos pertinentes ao paciente antes da cirurgia. Desta forma são identificados os fatores de exposição e os fatores predisponentes de TEV, classificado o grau de risco através de sistema de pontuação e indicado o esquema profilático adequado. No dia da cirurgia é realizado o acompanhamento transoperatorio e exercido também forte vigilância no pós-operatório.
Para a elaboração destas diretrizes várias dificuldades ocorreram devido aos escassos dados na literatura em cirurgia plástica onde buscar informações validadas. Qual a incidência real de TEV na cirurgia plástica? Qual a frequência de complicações? Qual o momento ideal para o início da profilaxia? Qual a dose ideal? As diretrizes do do American College of Chest Phisician (ACCP) não incluem a cirurgia plástica e não há estudos com graus de evidência A e B em cirurgia plástica para o estabelecimento de condutas.
O protocolo adotado pelo Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto Ivo Pitanguy combina o modelo de risco de Caprini5 e as diretrizes do American College of Chest Phisician (ACCP)6 com algumas adaptações.
PROTOCOLO DE PREVENÇÃO DE TEV DO INSTITUTO IVO PITANGUY:
QUADRO 1
Como observamos nos quadros acima, os pacientes são classificados de acordo com a pontuação dos fatores de risco em baixo risco (1 e 2 pontos), risco moderado (3 e 4 pontos), risco alto (5 e 6 pontos) e risco muito alto (> 7 pontos). Neste escore são considerados os fatores de risco aos quais o paciente é exposto, dentre eles: cirurgia maior (mais de 60 minutos de duração) ou menor, tabagismo, viagens longas, puerpério, uso de estrógenos e os fatores predisponentes do próprio paciente tais como: idade, índice de massa corporal, história prévia de TEV, trombofilias, neoplasias e outros. O resultado da soma total classifica o grau de risco e a conduta preventiva é estabelecida baseando-se nesta pontuação. As medidas profiláticas dividem-se em farmacológicas e não farmacológicas. A profilaxia medicamentosa já está presente no paciente classificado como de risco moderado (12 horas após o procedimento) e vai se aproximando do evento cirúrgico conforme maior o grau de risco (6h após na classificação de alto risco e 1 h antes no risco muito alto). Os pacientes que apresentarem risco alto e muito alto devem ser avaliados com doppler de membros inferiores no pré-operatório e a manutenção da quimioprofilaxia por 2 a 5 dias. Nos grandes descolamentos avalia-se o uso da metade da dose de heparina de baixo peso molecular (HBPM) e nos casos de bloqueios medulares a HBPM é iniciada somente 12 horas após. A deambulação precoce é estimulada em todos os pacientes, isto é, deambulação na noite do dia da cirurgia. O uso da meia elástica é indicado para todos os pacientes e é colocada antes de iniciar o procedimento, e mantido por uma semana. A compressão pneumática é iniciada após a indução anestésica e mantida até o dia seguinte.
Embora o risco de TEV seja real, ainda existe muita relutância no emprego de quimioprofilaxia por parte dos cirurgiões devido ao risco de complicações hemorrágicas.
Sendo base de conduta clínica pós-operatória, este protocolo pode ser modificado ou mesmo suspenso, de acordo com condições excepcionais encontradas pelo cirurgião durante a cirurgia, levando-se em conta o risco pré-operatório previsto e o risco e benefício das condutas pré-estabelecidas.
Alguns Serviços de Cirurgia Plástica já estabeleceram protocolos próprios para prevenção de TEV. No Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital Albert Einstein, São Paulo, os pacientes são avaliados previamente e classificados de acordo com tabela de pontuação em baixo risco (<1 ponto), risco moderado (2 a 4 pontos) e alto risco (> 5 pontos) e a HBPM é preconizada em todos os pacientes de risco moderado e alto, de 12 horas após a cirurgia a 12 horas antes.6 No Georgetown University Hospital os pacientes também são classificados em grupos de risco de acordo com tabela de pontuação, sendo a HBPM empregada a partir de 3 pontos, de 12 horas após a 2 horas antes da cirurgia.7
TEV é a causa mais importante de óbito após cirurgia que pode ser prevenida. Diferentes estudos publicados demonstraram que a profilaxia com heparina deve ser idealmente iniciada antes ou logo após a cirurgia e continuada até o paciente deambular normalmente.8,9 A demora no início da profilaxia leva a efeito antitrombótico subótimo sem vantagem de segurança.10 Não há evidência de aumento de risco de hematomas com o uso de heparina em cirurgia plástica conforme nos demonstra vários artigos publicados .11.12,13 Metanálises e ensaios clínicos randomizados duplo-cegos demonstraram pouco ou nenhum aumento na taxa de sangramentos com HBPM em cirurgia geral.14
A segurança e o bem-estar do paciente certamente são pontos de suma importância para o cirurgião plástico. A prevenção do tromboembolismo venoso, através de protocolos bem estabelecidos pela literatura, pode implicar em mudança de hábitos, mas é fundamental para se evitar consequências adversas tão temidas quanto internações em Centros de Terapia Intensiva ou mesmo o óbito do paciente.
REFERÊNCIAS:
1.Geerts WH, Pineo GF, Heit JA, Bergqvist D, Lassen MR, Colwell CW, Ray JG. Prevention of venous thromboembolism: the Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest 2004; 126(3): 338S-400S.
2.King CS, Holley AB, Jackson JL, Shorr AF, Moores LK. Twice vs three times daily heparin dosing for thromboembolism prophylaxis in the general medical population: A metaanalysis. Chest 2007; 131(2):507-516.
3.Kroegel C, Reissig A. Principle mechanisms underlying venous thromboembolism: epidemiology, risk factors, pathophysiology and pathogenesis. Respiration. 2003;70(1):730.
4.Miszkiewicz K, Perreault I, Landes G, Harris PG, Sampalis JS, Dionyssopoulos A, Nikolis A. Venous thromboembolism in
plastic surgery: incidence, current practice and recommendations. J Plast Reconstr Aesthet Surg. 2009; 62(5):5808.
5.Caprini JA, Arcelus JI, Reyna JJ. Effective risk stratification of surgical and nonsurgical patients for venous thromboembolic disease. Semin Hematol 2001; 38(2 Suppl 5):12-9.
6.Anger J, Baruzzi ACA, Knobel E. A new seep vein thrombosis prophylaxis protocol in plastic surgery. 2002; p. 46-8. In: American Society for Aesthetic Plastic Surgery Annual Meeting; 2002 April 27 May 3; Las Vegas, United States of America
7.Davison SP, Venturi ML, Attinger CE, et al. Prevention of venous thromboembolism in the plastic surgery patient. Plast Reconstr Surg 2004;114(3):43E-51E.
8-Geerts, WH, Bergqvist, D, Pineo, GF, et al. Prevention of venous thromboembolism: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines (8th Edition). Chest 2008; 133:381S.
9.Hull, RD, Brant, RF, Pineo, GF, et al. Preoperative vs postoperative initiation of low-molecular-weight heparin prophylaxis against venous thromboembolism in patients undergoing elective hip replacement. Arch Intern Med 1999;159:137.
10.Hull, RD, Pineo, GF, Stein, PD, et al. Timing of Initial Administration of Low-Molecular-Weight Heparin Prophylaxis Against Deep Vein Thrombosis in Patients Following Elective Hip Arthroplasty: A Systematic Review. Arch Intern Med 2001; 161: 1952-1960.
11.Rohrich RJ, Rios JL. Venous thromboembolism in cosmetic plastic surgery: maximizing patient safety. Plast Reconstr Surg 2003; 112(3):871-872.
12.Paiva, Rita A. et al. Protocolo de prevenção de tromboembolismo venoso no Instituto Ivo Pitanguy: eficácia e segurança em 1.351 pacientes. Rev. Bras. Cir. Plást. 2013; 28(1): 3-9.
13.Paiva, Rita Azevedo de et al. Tromboembolismo venoso em cirugia plástica: protocolo de prevenção na Clínica Ivo Pitanguy. Rev. Bras. Cir. Plást. 2010; 25(4): 583-8.
14.Levine MN, Raskob G, Beyth RJ, et al. Hemorrhagic Complications of Anticoagulant Treatment: The Seventh ACCP Conference on Antithrombotic and Thrombolytic Therapy. Chest September 2004 126:3 suppl 287S-310S.
QUADRO 1. Protocolo de prevenção de TEV do Instituto Ivo Pitanguy
DE EXPOSIÇÃO | |||
1 PONTO | 2 PONTOS | 3 PONTOS | 5 PONTOS |
Pequena cirurgia (<1h) | Grande cirurgia
|
IAM prévio
|
História Fratura pernas, Quadril |
Trabalho em pé>6h | Acesso venoso profundo | ICC | |
TRH/ACO /terapia hormonal | Gesso/ tala > 72h | Sepse | Trauma físico recente |
Tabagismo
|
Queimaduras | Paresia/plegias MMII | |
Viagem>4h <3dias
|
Imobilidade >72h |
PASSO 1 – TOTAL : _______ pontos
PREDISPONENTES | ||
Idade 40-60 a (1 pt) | Trombofilias heredit. (3 pts) | |
>60 a (2 pts) | Hemoglobinuria parox noturna | |
História TVP/TEP (3pts) | Trombofilias adquiridas: | Dças mieloproliferativas |
Puerpério<1 mes(1pt) | Doença inflamatória intestinal
|
Trombocitopenia induzida pela heparina |
Neoplasia (2pts) | SD nefrótica | Hiperviscosidade |
Obesidade – IMC>27 (1pt) | Lúpus eritematoso sistemico | Homocisteinemia |
Insuf venosa-edema MMII(1 pt) | Sd ac-antifosfolipídio |
PASSO 2 – TOTAL : _______ pontos
PASSO 3 – TOTAL PONTUAÇÃO : (PASSOS 1 + 2)
PASSO 4 – RECOMENDAÇÃO:
1 -2 PONTOS | RISCO BAIXO | DP + ME + CPI |
3 -4PONTOS | RISCO MODERADO | DP+ME + CPI + HBPM 12 h após |
5 –6 PONTOS ** | RISCO ALTO | DP + ME + CPI + HBPM 6h após * |
7 ou + PONTOS ** | RISCO MUITO ALTO | ME + CPI + HBPM 1 h antes * |
ME = MEIA ELÁSTICA MÉDIA COMPRESSÃO
CPI= COMPRESSÃO PNEUMÁTICA INTERMITENTE MMII
HBPM= ENOXAPARINA 40 MG SC
DP= DEAMBULAÇÃO PRECOCE
* Manter 2 a 5 dias ** Avaliar doppler pré-operat; reavaliar grandes descolamentos ½ dose; nos bloqueios medulares fazer 12h após